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Sucessão no agro: o herdeiro está pronto, mas a cultura da fazenda está?

Um guia para garantir que a transição de liderança seja uma evolução, não uma ruptura, alinhando a nova visão à cultura existente.


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A Paz 🙏🏼


Uma das cenas mais emblemáticas da vida no campo é a passagem do bastão. O pai, cujas mãos calejadas conhecem cada palmo de terra, olhando para o filho ou filha, recém-formado, com o diploma reluzente e a cabeça cheia de ideias sobre drones, telemetria e agricultura de precisão. É um momento de orgulho, sem dúvida. Mas, por baixo da superfície, ferve uma tensão silenciosa, uma pergunta que muitos líderes do agronegócio relutam em fazer em voz alta:


Nós preparamos o herdeiro para a fazenda, mas será que preparamos a fazenda para o herdeiro?

Esta não é uma questão trivial. Em minha jornada auxiliando empresas familiares do agronegócio a navegarem por estas águas, percebi que o maior obstáculo para uma sucessão bem-sucedida raramente é a competência técnica do sucessor. Ele ou ela volta da universidade com o que há de mais moderno em agronomia, gestão ou zootecnia, muitas vezes com formações fora do Brasil, fora de casa, fora do lar e da realidade dura que se impõe ao negócio. O verdadeiro desafio, o ponto onde muitas transições promissoras naufragam, reside na cultura da empresa – naquele conjunto de hábitos, valores não escritos e lealdades pessoais forjadas ao longo de décadas sob o comando do patriarca, afinal:


 É impossível se “dar um abraço ou um aperto de mão na empresa”, não é?

Lembro-me do caso de uma grande propriedade no Centro-Oeste. O fundador, um homem visionário que construiu um império a partir do nada, havia investido fortunas na educação de seu filho no exterior. O jovem voltou pronto para implementar uma revolução de eficiência e sustentabilidade. No papel, o plano era perfeito. Na prática, foi um desastre. A equipe de gerentes e capatazes, homens leais ao "jeito de ser" do pai, via cada nova ideia não como uma oportunidade, mas como uma ameaça. Cada sugestão de mudança era recebida com um silêncio pesado ou com a clássica sabotagem passiva do "vamos fazer do nosso jeito, que sempre deu certo". O herdeiro tinha o conhecimento, mas não tinha a licença cultural para agir. A cultura da fazenda estava "vacinada" contra o futuro.


Onde a tradição encontra a inovação? Muitas vezes, em uma colisão frontal.

O problema é que, frequentemente, focamos todo o esforço em preparar o indivíduo, o sucessor, e negligenciamos o ecossistema que ele irá herdar. É como treinar um piloto de Fórmula 1 para correr em uma pista de terra batida. A culpa não é do piloto, nem do carro. É da inadequação entre a nova capacidade e o ambiente existente.


Para que a sucessão seja uma evolução natural e não uma ruptura traumática, é preciso um trabalho deliberado de governança e transformação cultural, que prepare não apenas o futuro líder, mas toda a organização para um novo ciclo de gestão.


Três pilares para alinhar a nova visão à cultura existente:


Com base na nossa metodologia de "Inspirar, Educar, Dialogar e Aplicar", desenvolvemos um caminho para harmonizar essa transição. Não se trata de impor o novo sobre o velho, mas de construir pontes de entendimento e propósito compartilhado.


  1. Primeiro, crie um "Conselho de Transição" (Onde a sabedoria do passado encontra a energia do futuro):

    • O Princípio: A sucessão não pode ser um evento solitário entre pai e filho. Ela deve ser um processo institucionalizado. A criação de um conselho, formado pelo fundador, pelo(s) sucessor(es) e por líderes-chave da equipe (os gerentes e supervisores de confiança), cria um fórum oficial para o debate de ideias. É o espaço onde a nova visão do herdeiro pode ser apresentada, não como uma ordem, mas como uma proposta a ser enriquecida pela experiência prática de quem está no campo.

    • A Prática: Neste conselho, as novas ideias (ex: um projeto de agricultura de precisão) são debatidas abertamente. O sucessor apresenta os "porquês" técnicos e estratégicos. A equipe sênior traz os "comos" práticos e os riscos operacionais. O fundador atua como mediador e guardião dos valores. Essa dinâmica transforma a resistência em colaboração e a imposição em co-criação.


  2. Segundo, implemente "Projetos-Ponte" (A prova de conceito que constrói confiança):

    • O Princípio: A melhor maneira de vencer a desconfiança em relação ao novo não é com discursos, mas com resultados. Em vez de propor uma mudança radical em toda a operação de uma vez, identifique um projeto-piloto, de escopo limitado, para testar a nova abordagem.

    • A Prática: Naquela propriedade do Centro-Oeste, em vez de digitalizar toda a gestão de insumos de uma vez, selecionamos um único talhão para ser o "laboratório" do novo sistema. O sucessor liderou o projeto, mas com uma equipe mista, incluindo um dos gerentes mais céticos. Ao final da primeira safra, quando os resultados daquele talhão – redução de custos com fertilizantes, aumento de produtividade – foram apresentados de forma incontestável, a resistência começou a ruir. O "projeto-ponte" provou o valor da nova visão na linguagem que o campo entende: a da colheita.


  3. Terceiro, formalize a Governança e os novos papéis (clareza para evitar o caos):

    • O Princípio: Um dos maiores geradores de conflito na sucessão é a ambiguidade de papéis. Quem decide o quê? A quem a equipe se reporta agora? Sem regras claras, cria-se um vácuo de poder que é preenchido por conflitos e ineficiência.

    • A Prática: É fundamental desenhar, com o apoio de especialistas, um novo organograma e um manual de governança familiar e corporativa. Este documento deve definir claramente as alçadas de decisão do fundador (que pode migrar para um papel de Presidente do Conselho, por exemplo), do sucessor (como novo Diretor de Operações ou CEO) e dos demais gestores. Isso não é "burocracia", é a criação de um mapa que guia a todos durante a transição, garantindo que a autoridade do novo líder seja respeitada e que o conhecimento do fundador continue a ser aproveitado de forma estratégica.


A sucessão no agronegócio é um dos atos mais nobres e desafiadores da jornada de um líder. É o momento em que o trabalho de uma vida inteira é posto à prova, não pela sua capacidade de gerar resultados no presente, mas pela sua habilidade de se perpetuar no futuro. Preparar o herdeiro é apenas metade da equação.


Preparar a cultura da sua empresa para recebê-lo e florescer sob sua nova liderança é a outra metade – e, frequentemente, a mais decisiva.

Se este desafio ressoa com a sua realidade e você busca um parceiro para auxiliá-lo a construir essa ponte para o futuro com segurança e estratégia, ficarei honrado em conversar.


A gente se vê no campo.

Rumo ao TOPO 🚀


Marcio Almeida[www.marcioalmeida.co]


 
 
 

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